quinta-feira, 30 de setembro de 2010

"Picadinho Evangélico"

No seu “samba do crioulo doido”, Stanislaw Ponte Preta encarnou um compositor de uma escola de samba que, anos atrás, precisou estudar fatos da história do Brasil para fazer a letra do samba. Como o tema da escola daquele ano era a “conjuntura nacional”, saturado de tanto estudar, o crioulo saiu-se com um picadinho da história nacional. Na letra do samba misturou um pouco de tudo. Confundiu a inconfidência mineira com a lei áurea e a independência do Brasil. Como trabalho humorístico, “o samba do crioulo doido” é um marco criativo na história da música popular brasileira.

Hoje, estamos vivendo dias em que os evangélicos não têm convicção alguma. Muitos acham que basta a igreja falar em Jesus que já está bom. Uma senhora batista, bastante doente, de tanto ouvir a propaganda de uma determinada igreja, decidiu lá ser curada. A igreja em causa proclamava a “teologia da prosperidade” que, entre outras coisas, ensina que Deus quer curar fisicamente todo mundo e tornar ricos materialmente todos os seus “servos”. Então, acalentando a tão sonhada cura, começou a participar daqueles cultos e a se submeter a toda e qualquer orientação dada pelo pastor de plantão. Os dias passavam e a “bênção” não vinha. Mas ela não desanimava. Encontrando uma irmã da sua ex-igreja, disse que o culto lá era bem parecido com o batista. A irmãzinha, conhecedora das notórias diferenças, lhe disse: “parecido é um caminhão cheio de japoneses”.

A dona de casa muitas vezes tem de fazer alguma coisa com as sobras de comida da semana. Então, para não estragar nem jogar fora, faz um sedutor picadinho. Também chamado de “soborô”, o picadinho é quase sempre uma mistura simpática de tudo o que já foi servido à família na semana. Há muitos crentes que têm um credo tipo “picadinho”. Pegam umas coisas daqui, umas sobras dali, novidades de lá, esquisitices de acolá, juntam tudo, mas não têm uma visão completa da fé cristã. Aliás, não têm convicção de nada, sobre coisa alguma, apenas seguem a um líder, cheio de carisma ou de simpatia.

Por tudo isso, hoje temos “mantras evangélicos”, “amuletos evangélicos”, “gurus evangélicos”, “magos evangélicos” e até “donos do evangelho”. À simplicidade do evangelho bíblico toda sorte de sobras têm sido acrescentadas. As idéias de Lair Ribeiro são mais acatadas do que os ensinos de Jesus. Práticas da macumba são importadas e maquiadas, desde que resultem em dinheiro para os cofres da igreja. Homens e métodos são endeusados, cristalizados e o Deus bíblico é banido das suas cogitações. Pregadores desprezam a Bíblia, que tem um padrão objetivo, e optam por coisas subjetivas e convenientes. Tudo isso parece evangelho, tem pinta de evangelho, mas não é o evangelho de Cristo. É picadinho evangélico. É coisa que ia ser jogada fora, mas foi guardada, refogada com o tempero da popularidade e servida em guarnições de versículos bíblicos, fora do contexto. É caminhão cheio de japoneses. É o “evangelho do crioulo doido”.

Picadinho de vez em quando é comível, mas “picadinho evangélico” é intragável.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Xuxa, Luísa Brunet e Satanás

Lá pelo início dos anos 80, uma senhora idosa, membro de uma igreja batista, estava encontrando dificuldade em andar. Logo, gente bem intencionada, mas ruim de Bíblia, colocou na mente dela que aquilo era um trabalho maligno. Por certo, Satanás havia tocado a sua perna. A anciã não só comprou aquela idéia, como se apossou dela com gosto e garra, de tal modo que tomou a decisão de não mais andar. Ficava na cama, reclamando da vida, da igreja e de Deus. Culpar demônio é mais fácil do que agir.

A filha, não crente, estranhando aquilo, porque sabia que aquela não era a teologia da igreja que a mãe freqüentava, solicitou ao pastor que fosse visitá-la. Marcado o dia, o pastor chegou, cumprimentou a irmã, abriu a Bíblia e mostrou que “maior é o que está em nós (o Espírito Santo), do que o que está no mundo (o Maligno)” (1 Jo 4.4). Depois, com todo amor, tornou a citar a epístola de João: “Sabemos que todo o que é nascido de Deus não está no pecado; aquele que nasceu de Deus o protege, e o Maligno não lhe toca” (1Jo 5.18). O pastor ainda se lembrou do evangelho de João, quando Jesus garante às suas ovelhas: “dou-lhes a vida eterna, e nunca hão de perecer; e ninguém as arrebatará da minha mão” (Jo 10.27). Ainda com a Bíblia aberta, o velho pastor começou a explicar que aquele era um problema físico, e não espiritual. Que o Maligno para tocar num crente tem de ter a autorização de Deus, como aconteceu com Jó. Recomendou que procurasse um médico, e se submetesse a um tratamento. Por certo, ela logo teria o seu problema remediado. Nada feito! A irmãzinha bateu o pé: estava com um problema espiritual, pois, sem dúvida, satanás havia tocado a sua perna. Diante de tal reação, só restou ao velho pastor orar pela irmã, pedindo que o Espírito Santo iluminasse seu coração. Saiu daquela casa com um ar derrotado.

Muita gente prefere culpar a satanás, ao invés de encarar de frente seus problemas. Um pastor amigo foi procurado por um casal que queria que ele orasse para que “o demônio da incompreensão conjugal” saísse do seu lar. O pastor, homem bem equilibrado e conhecedor da Palavra, disse ao casal que não havia “demônio da incompreensão conjugal”. O problema era do casal mesmo. A responsabilidade era dele. O casal vivia mal por causa dele, e não por demônio. Os dois deveriam pedir ajuda de Deus, sim, mas também se humilhar e se ajustar. Não existe mágica na fé cristã. Deus exige submissão, obediência e disciplina.

Fui visitar uma irmã que iniciaria naquele dia sessão de quimioterapia, tratando de um câncer no fígado. Lá encontrei um grupo evangélico, com um frasco de “óleo ungido”, que foi passado próximo à região enferma, e um do grupo começou a orar “expulsando o demônio que estava no fígado daquela irmã”. Claro que fazia aquilo com muita sinceridade, mas com muita ignorância bíblica também. Depois que o grupo saiu, perguntei à irmã: “Há quantos anos a senhora é crente em Jesus Cristo?” Resposta: “há 50 anos.” Então, lhe disse que ela não tinha um demônio no fígado, não. Tinha, sim, uma enfermidade. Que fosse ao hospital, se submetesse ao tratamento, pois oraríamos, pedindo que Deus usasse tudo aquilo para o seu bem.

Mas, deixa eu voltar à história inicial. Quando o velho pastor relatou o caso a um pastor mais jovem, ele tomou a decisão de visitar aquela velhinha. Marcou o encontro, e no dia aprazado ouviu o relato da anciã. Depois de ela lhe assegurar que “Satanás tocara na sua perna”, o pastor jovem, não se contendo, disse: “Minha irmã, numa terra em que há Xuxa e Luísa Brunet, a senhora acha que satanás vai tocar logo na sua perna?” Ato contínuo, disse: “Vamos nos levantar, tomar um cafezinho e agradecer a Deus pela sua melhora”. A senhora se levantou, tomou o café e descobriu que estava boa.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

D. Naná Resolveu Imitar meus Pais

Recebi a notícia de que a D. Naná, mãe do Paulo Portes, nosso amigo de adolescência, partiu para o Senhor no sábado passado, 25/9.  Ficamos tristes e solidários com o Paulo, pedindo que Deus console o seu coração e o da Donária, sua irmã.

A nossa amizade com o Paulo nasceu de uma decisão da D. Naná. Ela conheceu nossos pais  nos anos cinquenta, em Acari, no subúrbio do Rio de Janeiro. Papai era um jovem médico, e foi o primeiro clínico geral do bairro, numa época quando não havia SUS ou coisa parecida. Estabeleceu ali um consultório e passou a trabalhar de manhã, de tarde, de noite e, não poucas vezes, varava a também a madrugada, em emergências.

Naquele tempo, vovô Antônio Ferreira de Souza era o pastor da Igreja Batista de Acari, e meus pais, Jeiel e Loecy, davam apoio à igreja. Papai fez um ambulatório no templo, onde atendia famílias desfavorecidas. Vovô deixou o pastorado da IBA em 1963, mas meus pais foram membros de Acari por mais de trinta anos.

Para que papai pudesse descansar, mudamos para Irajá. Mesmo assim, dominicalmente eles arrumavam os filhos e levavam-nos para a Igreja Batista de Acari. Era uma tremenda escadinha: Denise, Jeielzinho, eu e Ricardo, os gêmeos. Maurício, o caçula, só veio mais tarde.

D. Naná fora vizinha dos meus pais em Acari. Ficou impressionada com os bons vizinhos, e continuou prestando atenção neles, mesmo depois que mudaram para Irajá. Como morava próximo ao templo da IB de Acari, ficava intrigada ao ver semanalmente toda a nossa  família  passar unida para a Escola Dominical e os cultos.

Um dia D. Naná pensou consigo mesma: “Dr. Jeiel e D. Loecy são pessoas tão especiais, foram vizinhos tão bons, tão distintos, e levam seus filhos dominicalmente para essa igreja, isso deve ser bom. Vou mandar também meus filhos para lá”. E assim fez. Começou a mandar a Donária e o Paulo para a EBD e os cultos da IBA. Logo depois ela mesma começou a participar. Um pouco depois todos se converteram.

Paulo se tornou um dos nossos melhores amigos. Na adolescência e juventude, muitas vezes eu chegava tarde a casa, já na Tijuca, e lá estava o Paulo dormindo na minha cama. Não ficava zangado. Então, eu puxava um colchonete e dormia no chão.  Tempos depois Paulo se tornou engenheiro, e me convidou para fazer o casamento dele com a Maria Ortiz, também engenheira, na Igreja Batista de Icaraí, Niterói, RJ.

D. Naná, Paulo e Donária se converteram a Cristo por causa do bom testemunho dos meus pais. Bons tempos aqueles, quando os crentes ganhavam pessoas pra Cristo através do seu viver.  Sinto saudades da D. Naná. Mas que saudades também sinto  de crentes em Jesus Cristo como meus pais.

Esta história nos foi contada pela D. Naná.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

A Arte de Enganar o Povo

Antigamente, quando o mundo era mais ingênuo, a propaganda anunciava somente as qualidades do seu produto. O sabão era bom porque lavava mais branco. A geladeira era a melhor porque, além de gelar bem e mais rápido, era a mais econômica e durava mais. A roupa era boa porque era resistente e mais fácil de passar. O jornal era o melhor porque era o mais objetivo, tinha a melhor diagramação e a equipe de colunistas era excelente.

Hoje já não se vende um produto pelas qualidades intrínsecas dele. A propaganda se especializou em vender sonhos. A pessoa torna-se cliente de um banco não porque as suas taxas são mais baratas, seu atendimento é mais rápido e menos burocrático, mas porque é o banco onde “a vida fica mais fácil”. Você não compra um sabão em pó, você consome “o branco que devolve a alegria da infância”. Você não toma um simples refrigerante, você experimenta “uma nova sensação”. A sua pasta de dente não é escolhida pela sua eficácia, mas porque “é o gosto da vitória”.

Acontece o mesmo com a política. Em anos eleitorais, muitos candidatos saem dos seus partidos (senti desejo de usar a palavra covis) muito bem retocados pela propaganda política. Todos são apresentados como príncipes encantados, mas muitos, quando receberem o beijo do seu voto, se transformarão em sapos matreiros. Aí, será tarde demais, e a vida do nosso povo irá mais uma vez pro brejo.

Em 2Sm 13 a 18, temos o primeiro relato bíblico de um político astuto em plena campanha eleitoral. Se não tivesse vivido nos distantes dias de Davi, poderíamos confundi-lo com muitos dos nossos atuais políticos. Ele tinha uma personalidade marcante e carismática. Além disso, era atraente e simpático. Mas, após subir ao poder, tornou-se um manipulador, impiedoso e imoral. Na sua ambição, apresentou-se como um homem justo, mas logo depois se revelou um homem astuto, vivendo de enganos e egoísmos.

O candidato Absalão se apresentou ao eleitorado ostentando poder. Chegava aos comícios com vários batedores na frente. Aquilo impressionava, já que muita gente se deixa levar pelo dinheiro, os bens, e as influências do candidato. Se ele já possui poder, muitos acham que está se candidatando pensando no bem-estar do povo, e não por aspirar mais poder. O mote da sua campanha era: “Justiça para todos!” Naquela época, o rei era o juiz. Na sua estratégia, dizia em comícios: “Ah! Quem me dera ser juiz na terra, para que...lhe fizesse justiça!” E, no corpo-a-corpo, ouvia as reclamações das pessoas e prometia mudanças. Sobretudo, gostava de falar mal do opositor: “Olha, a sua causa é boa, pena que você não tem um rei que lhe ouça”. As pessoas, iludidas, achavam que teriam uma justiça melhor, finalmente. Muito cuidado com os Absalões de hoje que prometem o que não podem cumprir, e fazem campanha atacando os adversários, mas nunca apresentando idéias e planos exequíveis.

Outra estratégia usada para impressionar o povo a era bajulação. Salomão beijava criancinhas, tomava café nas casas, comia nas feiras, elogiava as pessoas, e assim o povão se sentia importante. Ele sabia que muitos não conseguem enxergar interesses suspeitos por trás de aparentes cortesias. Mas o golpe de mestre era dado demonstrando religiosidade e devoção. Com um discurso piedoso, ele conseguia votos de pessoas que pensavam colocar no poder alguém comprometido com a sua fé. Como acontece hoje, com a proliferação de inúmeros candidatos evangélicos que estão tão comprometidos com Cristo assim como uma raposa cuida de um galinheiro.

Muitos não votam num candidato, mas numa propaganda. Então, muito cuidado com os Absalões de hoje. Este ano teremos eleições municipais. Não vote num sonho. Com seu voto você pode tirar os Absalões que já estão no poder, e evitar que outros assumam a sua vaga.

Louvor e Testemunho

A primeira vez que subi à cidade de Teresópolis foi para pregar na PIBT. Quando criança já tinha vindo algumas vezes até o Parque Nacional, mas nunca havia entrado na cidade.

Estava um lindo domingo de sol, com o céu bem azul. Fui convidado para pregar num culto matutino, em janeiro, e cheguei mais cedo. Parei no Soberbo e fiquei impressionado com o Dedo de Deus. Que coisa linda! Não me cansava de admirá-lo. Tomei fôlego, e como ainda tinha tempo, entrei na cidade. Identifiquei a rua da igreja e, ao acaso, fui passear. Aleatoriamente, parei na Praça Santa Tereza onde tomei um cafezinho na Império que, segundo o irmão Heber Pites, serve o melhor café da cidade.

Naquele domingo, lá no Soberbo, me lembrei duma história contada pelo Pastor Page Kelley, no livro “Mensagens do Antigo Testamento Para os Nossos Dias”. Ele foi com sua esposa, de férias, ao País de Gales. Quando se dirigiam para determinado lugar, encontraram um ancião parado ao lado da estrada, fazendo sinal para que parassem. Pararam o carro, e o senhor perguntou se eram turistas. Eles responderam que sim, e ele se ofereceu para levá-los a uma montanha bem alta, de onde poderiam ter uma vista panorâmica daquela linda terra. Aceitaram a oferta, e o resultado foi uma experiência extraordinária. Após algum tempo viajando por uma estradinha estreita e sinuosa, eles chegaram ao pico da montanha. O Pastor Kelley disse que jamais havia visto uma paisagem tão linda como aquela. Ele podia ver rebanhos de ovelhas pastando no gramado verdejante, uma cidadezinha à beira rio e as ruínas de um velho castelo.

Quando desceram, o Pastor perguntou ao ancião por que ele os fez parar e se ofereceu para levá-los até ali. Ele respondeu: “Eu acho que esse é o lugar mais bonito em todo o País de Gales. Gosto de ir até lá para desfrutar da paisagem, e gosto de compartilhar com outras pessoas que sabem apreciar essa beleza”.

Em Lisboa, certa vez levei um amigo português a uma churrascaria gaúcha, e ele, fascinado, volta e meia me dizia: “Tenho que trazer meu pai aqui”.

Há uma reação natural, instintiva, entre louvor e testemunho. Se gosto de um lugar, de uma piada, ou de alguém, não me contento somente em gostar, quero que os outros também a conheçam. Como alguém disse: “O louvor aumenta o prazer de uma experiência agradável. Parece que o prazer estará incompleto se ele não se expressa. Quanto mais digno é o objeto do nosso louvor, maior será o nosso prazer.”

Louvamos a Deus por que Ele pede que fiquemos dizendo coisas bonitas sobre Ele? Deus precisaria do nosso louvor? Não é isso. Ele continua sendo Deus mesmo se não O louvamos. O nosso louvor é uma reação de compartilhar um prazer que experimentamos. É a divulgação de uma alegria que enche nossa vida de felicidade.

Por isso, o próprio Page Kelley diz: “Se verdadeiramente temos visto a Deus e experimentado o seu amor redentor, desejamos compartilhar isto com outros.” Há uma relação íntima entre louvor e testemunho. Louvar a Deus é testemunhar de Deus, e testemunhar de Deus é louvá-lO.