Faço uma confissão: sou um trouxa! Mas você pode me chamar também de otário. Se você é uma pessoa moderada, chame-me só de bobo. O trouxa é o crédulo que volta e meia é enganado. É um sujeito sem esperteza, que não aprendeu o jogo dos malandros. Ele ainda não foi bem instruído na arte de tirar vantagem em tudo. Por isso, o trouxa fala a verdade, mesmo que ela o incrimine. Trouxa devolve troco dado a mais. Trouxa paga suas contas em dia. Paga até mesmo impostos, por mais mal administrados que sejam. Trouxa não faz coisas ilegais. Não tem manha. Não é como o malandro, que é sagaz e astuto. Enfim, faço parte daquele pequeno grupo de brasileiros que diariamente é desprezado pela sua inocência ou falta de malícia.
Leio Mark Spencer, na revista Ultimato. No elevador, ele ouviu a conversa de uma senhora com o seu filho adolescente. O menino explicava à mãe a artimanha que usou pra colar na prova. A mãe, em vez de lhe dar uma bronca, elogiou a malandragem do filho.
Toda segunda-feira, à tarde, ia até Paços de Ferreira, a 50 Km da cidade do Porto, Portugal, fazer estudos bíblicos com um grupo de jogadores de futebol. Uma tarde, ao passar pelo centro, encontrei dez brasileiros (dois evangélicos no meio) em fila diante de um orelhão. Como a menos de 50m havia outras cabines vazias, perguntei a razão daquela fila. Simples: aquele telefone fazia chamada gratuita para o Brasil.
Na fila do caixa da padaria, um amigo aguardava a sua vez. De repente, chega um senhor, pede licença, e devolve um dinheiro ao caixa, dizendo: “você errou no troco e deu-me dinheiro a mais”. O rapaz atrás da fila exclama: “que otário!”
Vou abastecer num posto de gasolina em Sintra, Portugal, e o atendente é um brasileiro. Converso rapidamente com ele: é mineiro e está ali a poucas semanas. Pago e vou embora. Meses depois, torno a por gasolina naquele posto. Pergunto ao senhor que me atendia pelo destino do brasileiro. O homem me diz: “Também estou à sua procura. Deu-me um golpe de trezentos mil escudos, e fugiu”.
Um político evangélico recebe seiscentos e cinquenta mil reais em doações para a sua pré campanha à presidência da república. Só que as doações são feitas por laranjas, metidos em ONGs, cujas sedes são de fachada, contempladas com verbas milionárias pelo governo de sua mulher, governadora. Como bom malandro evangélico, em vez de provar a sua inocência com notas e fatos, o show-man prefere fazer uma greve de fome.
Tinha razão o Mark Spencer quando disse: “os milhões de malandros deste país estão ajudando-o a afundá-lo na mediocridade”. Não é à toa que todos os dias vemos a Polícia Federal prendendo novos malandros e os jornais anunciando novas fraudes. Enquanto isso, nossos hospitais, escolas e ruas continuam sem recursos para nada e a população, medrosa, fica refém de grupos marginais.
Identifico-me, sim, com aquela mãe cuja filha havia acabado de aprender a fazer ligação de celular de graça, fraudando a operadora. Toda contente, a filha queria ensinar a burla à mãe. Ao que ela lhe disse: “Não quero aprender, não. Eu sempre paguei as minhas contas. É muito triste se é isso que você está ensinando às suas filhas.”
Precisamos sim de gente honesta, que não se importe de ser vista como boba ou trouxa. Temos muitos malandros. Temos até malandros evangélicos. Talvez assim o país vá para frente. Urgentemente, precisamos de otários. Gente que ainda não aprendeu o jogo dos malandros. Você quer ser um ?
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